Há dois anos, Jô Soares acordou com ameaças de morte escritas no asfalto em frente à janela da sua casa, após uma entrevista no Programa do Jô à então impopular presidente Dilma Rousseff considerada "chapa branca" – muito branda, na gíria do Brasil. Antes, passaram pelo seu sofá todos os candidatos presidenciais desde 1989, de Collor a Lula. E Roberto Jefferson, o primeiro delator do escândalo do mensalão, Mikhail Gorbatchov, cinco anos após a queda do muro, ou os Mamonas Assassinas, formalmente apresentados ao país naquele palco, meses antes do acidente aéreo que os matou. Além de Ayrton Senna, Pelé ou Roberto Carlos, que é como quem diz, a realeza à moda brasileira. Não seria, portanto, no fim dos 28 anos do seu programa e após 15 mil entrevistas que Jô teria uma semana discreta.
"Grosseria sem limites", disse uma espectadora via Twitter após entrevista na edição de segunda–feira à dupla sertaneja Bruno & Marrone. "Marrone sofrendo muito bullying do Jô", acrescentou outra, já o assunto estava no topo dos temas mais comentados do dia na rede social. "Piadinhas sem graça", "incomodou os entrevistados e incomodou todos os seus fãs", prosseguiram os internautas. Jô, 78 anos, acusara Marrone de não falar durante a entrevista, associando isso ao facto de o parceiro, Bruno, ser a principal voz da dupla.
Noutra edição da última semana, a humorista da moda na TV Globo Tatá Werneck chorou ao mandar um recado ao apresentador – "vou sentir muita falta de vê-lo no ar". E entrevistador, Jô, e entrevistado, Roberto Carlos, caíram num mar de lágrimas na sexta-feira passada quando o cantor romântico dedicou o tema Amigo ao humorista.
Dias antes, o Brasil parou para assistir à entrevista com o juiz Sérgio Moro, que vem assumindo o papel informal de herói nacional, ao liderar com punho de ferro as investigações da Operação Lava-Jato. Afinal, em vez dele, apareceu o "Gordo", como Jô se autodenomina, a dizer que a sua participação no programa era "boato". "Um boato tão grande, que até eu acreditei", disse, para irritação de milhares de espectadores.
Agora especula-se sobre quem será o último entrevistado: Sílvio Santos, o patrão da concorrente SBT e anterior patrão? Ziraldo, o cartoonista mais vezes convidado do programa? Do princípio ao fim, o Programa do Jô, com 28 anos de vida divididos por SBT (12 anos) e Globo (16), foi sinónimo de controvérsias e relevância. E depois dele, o vazio?
"Entendo e aceito o fim do programa, é a lei do entretenimento, implacável na sua exigência de renovação, mas será uma perda grande. A sua longevidade está diretamente ligada ao seu talento peculiar, à sua capacidade de entrevistar e conversar com todo o tipo de gente. Não vejo sucessores neste género", diz ao DN o crítico de TV da Folha de S. Paulo Maurício Stycer.
Jô sempre usou como referência Johnny Carson, que comandou de 1962 a 1992 um programa do género, o Tonight Show, da NBC, mas é Jimmy Fallon, o apresentador da mesma atração no século XXI, que as direções das estações (e as audiências?) perseguem. Por isso, a Record, principal concorrente da Globo, tem o Programa do Porchat, com Fábio Porchat (33 anos), o SBT The Noite, com Danilo Gentili (37), e, na estação de Jô, Marcelo Adnet (35) lidera o Adnight, os três classificados como "mais show do que talk". Mas a Globo vai propor como sucessor formal de Jô o jornalista com experiência no entretenimento mas sem carreira humorística, de 58 anos, menos 20 do que o Gordo, Pedro Bial. "Cada apresentador imprime a sua cara ao programa, os dois que hoje disputam audiência com Jô (Porchat e Gentili) deixam isso bem claro. Já Pedro Bial, que sucederá a Jô, certamente irá noutra direção, nenhum dos três será um novo Jô", continua Stycer.
Jô é, pois, uma figura insubstituível, na opinião até dos colegas. "A produção do Jô e a nossa estão próximas há mais de 20 anos, tive o privilégio de testemunhar a genialidade dele, um entrevistador único, com sabedoria, ótimo humor, informação, bom gosto. O programa termina em alto astral e com um Jô em pleno fôlego. Viva o Gordo", disse ao DN o apresentador da Globo Serginho Groisman, do Altas Horas.
Hoje, depois de 28 anos em cima do acontecimento, a marcar a agenda e a fazer rir, é o dia do último beijo do Gordo.
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