A Renascença falou com Gunter Pauli, autor do livro "A Economia Azul", que propõe uma alteração dos modelos de negócio baseados nos recursos locais.
Gunter Pauli sabe que as suas provocações vão causar espanto nas plateias para quem fala em todo o mundo. Fala como se estivesse numa conferência de autoajuda e foi nesse mesmo tom que concedeu uma entrevista à Renascença.
Fundador da ZERI – Zero Emissions Research and Initiatives, descreve-se como um "empreendedor em série". É autor do livro "A Economia Azul", que propõe uma alteração dos modelos de negócio baseados nos recursos locais. Esteve na 4ª edição das Conferências do Estoril.
Qual é a diferença entre "economia verde" e "economia azul"?
“Economia verde” é uma economia que eu julgava que precisávamos urgentemente há 30 anos. Hoje, a economia verde é uma economia em que tudo o que é bom para a sua saúde, para a natureza, [mas] é dispendioso e, nesse caso, é uma economia para os ricos não para o povo. O facto é que precisamos de relançar a nossa economia, precisamos de algo que tem de ser muito melhor do que aquilo que a “economia verde” nos pode dar. A “economia verde” precisa de subsídios, precisa de uma ajuda do Governo para se poder desenvolver um produto com volume, porque a concorrência é contra produtos globalizados e penso que esse é um caminho errado.
Qual é a cor da nossa economia actualmente?
A actual economia está em crise porque é uma economia incapaz de responder às necessidades das pessoas ou, principalmente, às necessidades de emprego, à necessidade de sentir-se parte de uma economia e de uma vida social. Hoje, temos uma economia que não tem capacidade de integrar os jovens e os emigrantes. A economia precisa de uma taxa de crescimento muito mais elevada, muito diferente da que verificamos actualmente.
E que taxa de crescimento seria a ideal?
Julgo que hoje, o importante é termos taxas de crescimento locais. Por exemplo, para Joanesburgo ou para Nova Deli ou Porto Alegre temos actualmente projectos com taxas de crescimento de 8% a 10%. Porque precisamos de absorver muitos jovens e para isso precisamos de mudar a nossa mentalidade, as nossas tecnologias. Mas, precisamos de uma alteração do modelo de negócio.
Mas em que sentido?
Se você é produtor de café, você faz café e vende café, tem a sua loja de café, mas o produto final (o café que toma) representa apenas 1% da sua produção. O que fazer com os restantes 99%? Nada. É lixo. O que vai fazer com lixo? No nosso caso, aproveitamos para a compostagem. É isso que nós fazemos com três mil empresas novas para o cultivo de cogumelos. Fazemos o cultivo com resíduos de café. Empresas como a Nestlé ou a Folgers apenas pensam no negócio como um negócio de café e não de cogumelos e, por isso, acabam por queimar os resíduos de café para reduzir as necessidades de energia. Mas, se tiver de escolher entre poupar energia ou criar milhares de empregos e milhares de toneladas de cogumelos sem colesterol, sem gordura, temos de pensar que é um novo modelo de negócio. Não é o “core business” que os gestores de Harvard ou do INSEAD aprenderam a implementar.
É esse o conceito de "economia circular"?
É um bom passo, na boa direcção. O nosso desafio é o de criar uma nova economia. Para criar um novo ciclo temos de mudar o modelo de negócio, temos de sair do conceito de economia de escala, temos que deixar de pensar que produzir mais do mesmo é o melhor. Hoje, temos 10 países no mundo que conseguem gerar novos empregos, os restantes estão a perder emprego. E com a juventude e um tecido social como o actual, precisamos que todos sejam produtivos para que as pessoas se sintam parte da economia e parte da vida.
E porque é que o modelo de negócio ainda não mudou?
Porque temos hoje um milhão de estudantes que formamos todos os anos num modelo de piloto automático. Os jovens estão a ser formados segundo um modelo em que apenas o “cash flow”(lucro) interessa. A ideia é fazer uma abstração de tudo e focar apenas nos lucros. O “cash flow” é o novo rei; tudo é determinado pelo “cash flow”. Por isso é que só com a replicação de casos como as três mil empresas novas que produzem cogumelos com café ou as três fábricas que hoje produzem papel de pedra com resíduos das minas. Esse tipo de nova criação económica de baixo para cima é que vai conduzir à mudança numa ou duas gerações.
Então o que os alunos de economia aprendem nas universidades está errado? Os pressupostos do agente racional, egoísta…
Está totalmente errado. O mais importante da vida é saber que o dinheiro que tem na sua conta bancária não poderá levá-lo para o Céu. Temos de lembrar que o importante é a vida, a qualidade de vida, a felicidade. Com esta economia que apenas fala da necessidade do lucro não traz felicidade. Por isso é que traduzi o meu conhecimento na criação de uma economia com felicidade, mas que compete, que é melhor. E porque é melhor? Porque fazemos mais com o mesmo. É tudo.
Está a pôr em causa o pensamento neoliberal?
Sou mais liberal que os neoliberais! Porque eu não quero saber dos subsídios por considero que todos os subsídios representam corrupção. Há um grande risco de corrupção. Sou a favor do mercado livre, mais concorrência, mas que seja, de facto livre. Não como o caso dos acordos com o Luxemburgo para não pagar impostos.
Está a falar do caso LuxLeaks que envolve Jean-Claude Juncker?
Não. Considero impensável que, uma pessoa que montou um sistema de isenção fiscal para as multinacionais, seja hoje o presidente da Comissão Europeia. Não me orgulho. O principal é pensarmos como podemos mudar o sistema de baixo para cima. Aliás, fui convidado pelo Governo do Luxemburgo para discutir durante dois dias a forma de fazer uma nova economia no país sem isenções fiscais para multinacionais.
Na intervenção que fez foi muito crítico em relação ao Excel. Proibia a utilização do Excel?
É óbvio. O Excel é pura fantasia. Vamos ajustando os dados para chegarmos aos resultados que queremos, mas não é um reflexo da realidade. Não precisamos de um modelo matemático linear, mas sim de um não-linear. A verdade é que, numa cidade como esta onde estamos, a economia não é linear, não funciona como a matemática de um sistema Excel. Mas isso não ensinamos nem nas universidades, nem aos matemáticos.
Precisamos de devolver a economia às ciências sociais?
A economia é social. Hoje não o é, hoje fazemos uma categoria separada dos chamados empreendedores sociais e empreendedores ecológicos. E onde ficam os outros? Nem sociais, nem ecológicos. Isso não pode acontecer. Temos de encarar a economia como social, ecológica e competitiva, as três.
Há vários projectos de “economia azul” por todo o mundo. Em Portugal , que se saiba, não existe nenhum.
Nunca fui convidado. É a primeira vez, em mais de 15 anos que recebo um convite para visitar Portugal. E, felizmente, pude partilhar conhecimento. Agora não quero esperar mais 15 anos para regressar ao seu país, porque Portugal precisa de mudar o seu sistema económico.
É a solução para a crise?
É óbvio. É a solução e o que procuramos fazer em todas as regiões onde trabalhamos primeiro fazemos um levantamento de tudo o que é possível conscientes de que é possível provar que é possível.
Fonte: Renascença